O ofício de escritor é visto por muitos como uma coisa meio mágica, superior. O escritor é visto de maneira diferente, aqui com desdém, acolá com um respeito quase reverencial. Uns os vêem como um vagabundo que só quer escrever, outros o vêem como um gênio que consegue botar no papel o que os pobres mortais não conseguem.
E as mulheres? Homens em geral escrevem pouco para as mulheres, então a chance de aquela gostosa que você quer pegar jamais ter recebido uma cartinha sequer de um homem são altíssimas. Essa é a sua hora, amigo. E se ela tiver recebido aquelas cartas cheias de clichês, frases de compilações de melhores frases de amor etc, é aí que entra sua eloqüência e originalidade de escritor. Não há mulher que não se derreta com uma carta/texto bem humorado, e ao mesmo tempo galanteador. Go and get´em, Tiger!
Na sociedade em geral, quanto a trabalhar escrevendo, só tenho uma frase a lhe dizer: quando tiver que fazer o próximo cadastro em um hotel ou loja, experimente escrever “escritor” no campo “profissão”, e observe. Aposto cem reais que a frase da pessoa que ler vai ser uma dessas três: “Você não tem emprego?”, “Quantos livros você escreveu?” ou “Amigo, tem que botar a profissão de verdade. O campo ‘hobby’ é na próxima linha”. Acredite, falar para as pessoas que você é escritor causa estranheza. Experimente. Mas depois que a fase de te acharem vagabundo passar, virão as perguntas. Se prepare.
A clássica máxima já possui, hoje, centenas de complementos, e eu acrescento o meu: todo brasileiro é técnico de futebol, médico e escritor. Todo mundo acha que tem uma estória genial pra contar e que “eu escrevia muito bem mesmo, mas parei. Eu devia ter continuado”. Praticamente todo mundo. E essa característica tem dois lados, igualmente chatos: todo mundo vai revisar, criticar e dar pitacos nos seus textos, e todo mundo vai querer que você leia os textos deles, como se estivessem te entregando um manuscrito de Machado de Assis. O cabra nunca escreveu nada maior do que assinatura em cheque e se acha o verdadeiro editor. E ainda usa frases como “o leitor pode se ofender”, “não tem público pra isso no Brasil” ou “é, até que não tá ruim”. Durma com um barulho desses, amigo. Ser escritor é bacana, mas, assim como a rapadura, não é mole não.
O primeiro mito é o mito da inspiração. Ok, eu sei que é legal falar isso, que as mulheres adoram um escritor que encontra inspiração na natureza ou no meio da rua. Eu sei que falar “pô, hoje eu não to inspirado” é bacana e te livra de ter que escrever. Mas desculpa acabar com a sua ilusão: inspiração não existe. Não neste sentido de ser algo anterior e necessário ao ato de escrever. Inspiração existe para músicos e poetas, e mesmo assim, ela não é condição sine qua non.
Conheço compositores que escrevem letras de música a hora que querem, sem mistérios nem charminhos inspiracionais. Amadores podem se dar ao luxo de ter inspiração para escrever uma carta para a namorada ou um poema. Escritores profissionais fazem o que deles se espera: escrevem. Eles sentam e escrevem. Pode demorar, pode ser trabalhoso, árduo, mas isso nada tem a ver com inspiração. Imagine a seguinte cena:
- Emergência! Perfuração por arma de fogo no tórax, doutor. O pulmão direito foi perfurado e a bala está a dois centímetros da coluna. Vamos levar para a sala de operação!
- Olha, não vai dar.
- Não vai dar o que?
- Pra operar ele.
- Como assim, doutor Guedes?
- É, não vai dar. Não to inspirado. Sei lá, me deu isso de repente. Eu pego o bisturi e não vem nada. Nadinha. Eu olho pra esse sangue todo, o buraco da bala e nada. A inspiração me abandonou…
Consegue imaginar a cena acima? Nem eu. Então, se você é escritor, senta a bunda na cadeira e escreve. Deixa o papo de inspiração pra mesa do bar ou pra usar como desculpa pra ir pro bar encher a cara.
O segundo mito é que se você não sofre escrevendo, você não é um escritor. Esse mito é embasado em algo que eu chamo de A Aura do Escritor. É a aura que, quando alguém diz que é um escritor, automaticamente todos o vêem como mais inteligente e perdoam suas excentricidades. Mais uma vez: escrever pode doer se você está escrevendo um desabafo, uma carta para a namorada. Mas se você é ou pretende ser pago para isso, nem comece a alimentar esse mito.
Escrever dói na medida em que qualquer atividade intelectual é árdua na maioria das vezes. Mas não precisa causar sofrimento. E, ao contrário do que muita gente pensa, o fato de o escritor dizer que sofreu escrevendo não faz a obra melhor do que se ele tivesse escrito no ônibus ou enquanto jogava poker online com os amigos. Ter que sofrer para escrever é mais ou menos isso:
- Ô Paulo, que que você tem?
- Cara, to acabado. Aquela declaração do Imposto de Renda do Dr. Cézar acabou comigo.
- Como assim? Foi muito grande?
- Não, não, mas cara, acabou comigo. Porra, to exaurido. Mas me livrei, parece que tirei um peso das costas. Não agüentava mais.
- Paulo, o Dr. Cézar é ambulante e vende Bíblias. A declaração dele é de isento e nosso escritório só faz porque ele é da Igreja do dono do escritório. Ele não tem nada pra declarar, você deve ter demorado quinze minutos!
- E daí, cara? Foram vinte minutos de pura exaustão! Ah, acho que vou sair pra tomar um chop.
Então, se você é ou pretende ser pago pra isso, deixe esse papo de sofrimento pra tirar onda com menininhas em aniversário de prima adolescente.
O terceiro mito é um dos meus preferidos: escrever bem é escrever difícil. Esse mito advém dos intelectualóides que sempre dizem estar relendo os clássicos que nunca leram. Esse mito é interligado aos anteriores. Para os pseudo-intelectuais, quanto mais o escritor sofrer para escrever e mais complicada for sua escrita, melhor. Minha dica é: só use uma proparoxítona depois de pensar durante dez minutos em um sinônimo. Escrever bem é escrever claro, e não escrever complicado. Os grandes mestres escreviam de maneira simples e clara, como Machado, Drummond, os Verissimos – pai e filho – e muitos outros.
Infelizmente as pessoas acham que algo direto e claro é sinônimo de má qualidade pois, se seu texto é acessível ao público médio, ele não é bom. Quem pensa assim é leitor de resumo, que lê comentários na internet sobre um livro e sai vomitando críticas sem embasamento. Então, seja simples, direto e, acima de tudo, claro. A não ser que você esteja escrevendo um suspense ou algo do tipo e queira propositadamente confundir o leitor, não o confunda. Ele vai te agradecer, e você vai ganhar leitores de verdade, e não leitores de resenha.
Bom, é isso. Vocês sabem mais algum mito sobre o processo de escrever? Manda pra cá que eu falo disso amanhã, ou depois. E se você concorda ou discorda, deixe seu comentário aí embaixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário